A parábola dos talentos
Havia um homem muito rico, possuidor de vastas propriedades,
que era apaixonado por jardins. Os jardins ocupavam o seu pensamento o tempo
todo e ele repetia sem cessar: O mundo inteiro ainda deverá transformar-se
num jardim. O mundo inteiro deverá ser belo, perfumado e pacífico. O mundo
inteiro ainda se transformará num lugar de felicidade.
As suas terras eram uma sucessão sem fim de jardins, jardins
japoneses, ingleses, italianos, jardins de ervas, franceses. Dava muito
trabalho cuidar de todos os jardins. Mas valia a pena pela alegria. O verde das
folhas, o colorido das flores, as variadas simetrias das plantas, os pássaros,
as borboletas, os insetos, as fontes, as frutas, o perfume... Sozinho ele não
daria conta. Por isso anunciou que precisava de jardineiros. Muitos se
apresentaram e foram empregados.
Aconteceu que ele precisou de fazer uma longa viagem. Iria a
uma terra longínqua comprar mais terras para plantar mais jardins. Assim,
chamou três dos jardineiros que contratara, e disse-lhes: Vou viajar.
Ficarei muito tempo longe. E quero que vocês cuidem de três dos meus jardins.
Os outros, já providenciei quem cuide deles. A você, Paulo, eu entrego o
cuidado do jardim japonês. Cuide bem das cerejeiras, veja que as carpas estejam
sempre bem alimentadas... A você, Hermógenes, entrego o cuidado do jardim inglês,
com toda a sua exuberância de flores espalhadas pelas rochas... E a você,
Boanerges, entrego o cuidado do jardim mineiro, com romãs, hortelãs e jasmins.
Ditas essas palavras, partiu. Paulo ficou muito feliz e
pôs-se a cuidar do jardim japonês. Hermógenes ficou muito feliz e pôs-se a
cuidar do jardim inglês. Mas Boanerges não era jardineiro. Mentira ao
oferecer-se para o emprego. Quando ele viu o jardim mineiro disse: Cuidar de
jardins não é comigo. É demasiado trabalho...
Trancou então o jardim com um cadeado e abandonou-o.
Passados muitos dias voltou o Senhor, ansioso por ver os seus jardins. Paulo,
feliz, mostrou-lhe o jardim japonês, que estava muito mais bonito do que quando
o recebera. O Senhor dos Jardins ficou muito feliz e sorriu. Hermógenes
mostrou-lhe o jardim inglês, exuberante de flores e cores. O Senhor dos Jardins
ficou muito feliz e sorriu.
E foi a vez de Boanerges... E não havia forma de enganar: Ah!
Senhor! Preciso de confessar: não sou jardineiro. Os jardins dão-me medo. Tenho
medo das plantas, dos espinhos, das lagartas, das aranhas. As minhas mãos são
delicadas. Não são próprias para mexer na terra, essa coisa suja...
Mas o que me assusta mesmo é o fato das plantas estarem
sempre a transformar-se: crescem, florescem, perdem as folhas. Cuidar delas é
uma trabalheira sem fim.
Se estivesse em meu poder, todas as plantas e flores seriam
de plástico. E a terra estaria coberta com cimento, pedras e cerâmica, para
evitar a sujeira. As pedras dão-me tranquilidade. Elas não se mexem. Ficam onde
são colocadas. Como é fácil lavá-las com esguichos e vassoura! Assim, eu não
cuidei do jardim. Mas tranquei-o com um cadeado, para que os traficantes e os
vagabundos não o invadissem.
E com estas palavras entregou ao Senhor dos Jardins a chave
do cadeado. O Senhor dos Jardins ficou muito triste e disse: Este jardim
está perdido. Deverá ser todo refeito. Paulo, Hermógenes: vocês vão ficar
encarregados de cuidar deste jardim. Quem já tinha jardins ficará com mais
jardins.
E, quanto a você, Boanerges, respeito o seu desejo. Não
gosta de jardins. Vai ficar sem jardins. Gosta de pedras. Pois, de hoje em
diante, irá partir pedras na minha pedreira...
Rubem Alves
Gaiolas ou
Asas – A arte do voo ou a busca da alegria de aprender
Porto, Edições
Asa, 2004
Fonte: https://contadoresdestorias.wordpress.com/2007/07/05/rubem/
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