"Senhor, que na diversidade de opiniões tua verdade faça nascer a concórdia." (Santo Agostinho)
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sábado, 3 de março de 2012
Arrumar o homem
Não boto a mão no fogo pela autenticidade da história que estou para contar. Não posso, porém, duvidar da veracidade da pessoa de quem a escutei e, por isso, tenho-a como verdadeira. Salva-me, de qualquer modo, o provérbio italiano. “Se não é verdadeira... é muito graciosa!”
Estava, pois, aquele pai carioca, engenheiro de profissão, posto em sossego, admitido que, para um engenheiro, é sossego andar mergulhado em cálculos de estrutura. Ao lado, o filho, de 7 ou 8 anos, não cessava de atormentá-lo com perguntas, tentando conquistar um companheiro de lazer.
A ideia mais luminosa que ocorreu ao pai, depois de dez a quinze convites a ficar quieto e deixá-lo trabalhar, foi a de pôr nas mãos do moleque um belo quebra-cabeça trazido da última viagem à Europa. “Vá brincando enquanto eu termino esta conta”, sentencia entre dentes, prevendo pelo menos uma hora, hora e meia de ocupação do menino. O peralta não levará menos do que isso para armar o mapa do mundo com os cinco continentes, arquipélagos, mares e oceanos, comemora o pai-engenheiro.
Quem foi que disse hora e meia? Dez minutos depois, dez cravados, e o menino já o puxava triunfante: “Pai, vem ver!” No chão, completinho, sem defeito, o mapa do mundo.
Como fez, como não fez? Em menos de uma hora era impossível. O próprio herói deu a chave da proeza: “Pai, você não percebeu que, atrás do mundo, o quebra-cabeça tinha um homem? Era mais fácil. E quando eu arrumei o homem, o mundo ficou arrumado!”
“Mas esse garoto é um sábio!”, sobressaltei, ouvindo a palavra final. Nunca ouvi verdade tão cristalina: “basta arrumar o homem (tão desarrumado quase sempre) e o mundo fica arrumado!”
Arrumar o homem é a tarefa das tarefas, se é que se quer arrumar o mundo.
(Dom Lucas Moreira Neves. Jornal do Brasil, Jan. 1997)
[Imagem reflejosdeluz.net]
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