Por Frei Betto
Entro nessa Quaresma
sem fantasia, disposto às abstinências que resgatam, no mais íntimo de mim
mesmo, a minha verdadeira identidade.
Calarei
a língua ferina e não macularei a fama alheia exposta em público no varal de
minhas cordas vocais.
Não
darei ouvidos a inconfidências, nem ao ruído ensurdecedor das palavras vãs de
quem só escuta a própria voz.
Fecharei
o olhos para ver melhor e abrirei as janelas à revoada dos anjos.
Contemplarei as
montanhas ocas de minha terra e derramarei uma lágrima por seus úteros
arrancados e sonegados ao meu povo.
Nesta
Quaresma, riscarei de meu dicionário o vocábulo competitividade e com aquarelas de utopias gravarei no coração solidariedade.
Irei
ao encontro de quem ainda luta por direitos animais: comer, beber, educar a
cria e abrigar-se das intempéries. Só assim costurarei minha humanidade
esgarçada.
Jejuarei
da ânsia consumista e ofertarei meu supérfluo tão necessário ao próximo.
Abrirei a janela do carro e afagarei as crianças de rua, filhos de minha imobilidade
frente a tantas injustiças.
Pagarei,
com juros, a minha dívida social. Farei de Jesus parceiro de aventuras e
deixarei que o seu Espírito engravide o meu.
Buscarei
o silêncio orante e meditarei para inebriar-me da espiritualidade do conflito.
Adotarei
o Sermão da Montanha como estatuto pessoal e assim acertarei meus passos nas
trilhas da vida.
Arrancarei
toda erva daninha - ciúme, inveja, ira - do canteiro de meus amores e
cultivarei copas frondosas de quaresmeiras coloridas de ternura.
Serei
perdulário com o bom humor e espalharei alegria como o ar que nos é dado a
respirar.
Nesta
quaresma, participarei da Campanha da Fraternidade na defesa da vida e contra o
Tráfico de Seres Humanos.
Desfraldarei
a bandeira de minha indignidade e revelarei esperanças que, olhos no futuro, me
fazem acreditar num belo horizonte.
Peregrino,
solitário e solidário, irei às fontes do Transcendente. Ao encontrar meu
próprio poço, mergulharei como um menino em suas águas profundas, até que o Pai
de Amor me acolha em seus braços, dando-me de beber o vinho pascal do homem
novo e da mulher nova.
(Mt
5, 1- 12)
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