Por si só a criança não é forte, nem virtuosa, nem
segura. Mas é como o girassol que se abre ao sol todas as manhãs; de lá espera
tudo, de lá recebe tudo: calor, luz, força, vida.
“Aumenta a porta, Pai,
porque não posso passar.
Fizeste-a para as crianças,
e eu cresci, para meu pesar.
Se não me aumentas a porta,
torna-me pequeno, por piedade.
Volta-me àquela idade
em que viver era sonhar”.
(Miguel de Unamuno)
Salvar-se, segundo Jesus, é tornar-se
progressivamente criança. Para a sabedoria do mundo, isto é algo completamente
estranho porque estabelece uma inversão de valores e juízos. Na vida humana,
segundo as ciências psicológicas, o segredo da maturidade (salvação) está em
afastar-se progressivamente da unidade materna e de qualquer tipo de simbiose,
até chegar a uma completa independência e se manter de pé sem nenhum apoio.
Em troca, no programa de Jesus, dentro de uma
verdadeira inversão copernicana, a salvação consiste em se tornar cada vez mais
dependente, a não se manter de pé, mas sim apoiado no Outro, a não agir por sua
própria iniciativa, mas sim por iniciativa do Outro e avançar progressivamente
até a uma identificação quase simbiótica, até – se conseguir – deixar de ser eu
mesmo e ser um com Deus porque o amor é unificante e identificante; numa
palavra, viver de sua vida e de seu espírito. Esta dependência, é claro, é a
suprema liberdade, como logo se verá.
“Permanecer criança é reconhecer seu próprio nada,
esperar
tudo de Deus como uma criança espera tudo de seu
pai; não se inquietar
por coisa alguma, não pretender fortuna…
Ser pequeno significa não atribuir a si mesmo as
virtudes
que pratica, crendo-se capaz de algo, mas
reconhecer
que Deus põe esse tesouro da virtude na mão da
criança; mas
é sempre tesouro de Deus.”
(Santa Teresita de Lisieux)
Nós estamos no centro mesmo da Revelação trazida
por Jesus, a revelação do Deus Pai (Abbá). Somente se dará o Reino aos que
confiam, aos que esperam, aos que se abandonam nas mãos fortes do Pai. Tudo é
Graça. Pura Gratuidade. Tudo se recebe. Para receber, há que se abandonar. Só
se abandonam os que se sentem “pouca coisa”. É necessário tornar-se pequenino,
criança, “menor”.
Por si só a criança não é forte, nem virtuosa, nem
segura. Mas é como o girassol que se abre ao sol todas as manhãs; de lá espera
tudo, de lá recebe tudo: calor, luz, força, vida…
Tornar-se criança, viver a experiência do Abbá
(querido Papai) não só na oração, mas, sobretudo, nas eventualidades da vida,
vivendo confiadamente abandonados ao que disponha o Pai, e tudo isso parece
coisa simples e fácil. Mas na realidade trata-se da transformação mais
fantástica, de uma verdadeira revolução no velho castelo arruinado da
autossuficiência, do egocentrismo e das loucuras de grandezas.
Mas, uma vez que nós nos abandonamos e nos colocamos na órbita de Deus, então se anulam todas as fronteiras e participamos da potência infinita do Pai amado, de sua eternidade e imensidade.
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