(Alberto Bobbio, em
artigo publicado por L'Eco de Bergamo, 14-06-2019 - Tradução de Luisa
Rabolini. Via www.ihu.unisinos.br)
Quanto incomoda esse Papa Francisco que
continua falando sobre os pobres? Em resumo, por que nunca está satisfeito, nem
mesmo com o que a Igreja faz pelos pobres? Sejamos sinceros e admitamos
que esta é a verdadeira questão que vem à cabeça diante dos repetidos
raciocínios de Bergoglio, que dia sim e outro também apresenta não só os
números, mas também as caras do escândalo de um mundo onde os pobres são cada
vez mais pobre. Ele voltou a fazer isso na sexta-feira, na mensagem para o
terceiro Dia Mundial da Pobreza, que ele inventou para perseverar metodicamente
em suas provocações. Que necessidade havia de um dia da pobreza? A Caritas
já não está tratando deles?
Alguém chega a afirmar que, assim, a Igreja se
desvia de sua verdadeira missão, ou seja, falar de Deus, tratar da salvação das
almas, do Espírito e assim por diante. Em vez disso, aqui está o ponto: fugir
da identificação de Deus com os pobres "equivale a mistificar o Evangelho
e diluir a revelação". Em suma, o cuidado dos pobres para os cristãos
é algo muito mais do que a mera filantropia que tampona a necessidade e liga a
sirene nas emergências. Cuidar dos pobres significa sentar-se ao pé da Cruz e
ouvir a palavra daquele pobre que foi crucificado.
E, nisso, a Igreja e o Papa incomodam.
Tudo está bem desde que a Igreja se dedique aos pobres, que foram
relegados às reservas indígenas. Tudo está bem até que aos pobres seja dada uma
mão, talvez duas, dinheiro e coisas. Mas quando a Igreja levanta a voz e
revela, quando desmascara, quando, como Bergoglio escreve em sua mensagem, ela
não apenas escuta, intervém, protege e defende, mas "resgata" e
"salva" acaba na linha de mira, porque desvela a ilusão quase geral
no mundo de saber como se proteger dos pobres.
Quando depois insiste em dizer que muros e
barreiras apenas criam a ilusão de "sentir-se seguros com as próprias
riquezas" e que assim "não será para sempre", até mesmo partem
acusações de ameaça à ordem mundial. E, no entanto, Francisco está fazendo
exatamente essa operação. Não se limita aos números dramáticos do 1% da
população mundial que possui o equivalente da riqueza de 80% dos demais, mas
denuncia que os pobres são os novos escravos e não apenas aqueles que são
obrigados a colher tomates sob o sol, migrantes que se tornaram
"recursos" e, portanto, admitidos pelos traficantes do medo, mas
também os jovens impedidos de encontrar trabalho por "políticas econômicas
míopes", famílias forçadas a emigrar e depois separadas, e todos aqueles
sobre os quais, segundo o Papa, "o juízo está sempre alerta" e não
podem sequer se dar ao luxo de "se sentirem tímidos ou desanimados" e
são percebidos como "ameaçadores ou incapazes" apenas "porque
são pobres": “julgados muitas vezes como parasitas da sociedade, aos
pobres não se perdoa nem mesmo a sua pobreza".
Não deixamos mais que eles durmam nas ruas,
inventamos "uma arquitetura hostil", os bancos com braços, para que
ninguém possa se deitar à noite, para que ninguém possa viver nem mesmo da
maneira mais desesperada possível. O designer defensivo é a última fronteira do
decoro urbano e de uma cultura da rejeição que considera uma ameaça aqueles que
estão fora dos circuitos da conformidade e dos critérios regulares, aqueles da
acumulação, do bem-estar, do equilíbrio de classe, da satisfação, da
prosperidade. Francisco em sua mensagem denuncia a arrogância daqueles
que oprimem e explica que Deus não está feliz, porque está do lado dos pobres,
a ponto de se identificar com eles. A comunidade cristã não pode
subestimar isso, senão compromete o "realismo da fé cristã e sua validade
histórica".
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