Há uma
diferença imensa entre a maneira pela qual sentimos as injustiças feitas a nós
e como julgamos as que atingem o próximo. (Jean Domat)
A JUSTIÇA
Quando criança eu tinha a mania de me
sentir sempre injustiçado. Por um ou outro motivo, não me tinham feito justiça,
sem perceber que, para mim, a “injustiça” era sempre qualquer restrição feita
aos meus desejos, fantasias e vontades.
E invariavelmente arrebentava em
lágrimas de protesto.
Um dia papai me chamou e disse:
- Meu
filho, vamos combinar uma coisa. Você sabe que papai não gosta de ver você
triste, não é? Então nós vamos fazer o seguinte: cada vez que você chorar,
escreva num papel a causa. Coloque o papel no vaso azul, ali, sobre a
escrivaninha. Deixe passar alguns dias e leia-o. Se achar que o assunto ainda o
está aborrecendo, venha a mim, conte-me o caso e eu lhe prometo que corrigirei
a injustiça que tiverem feito contra você. Combinado?
Estava combinado. Nos primeiros dias
eu enchi o vaso azul de anotações. Passadas no preto e branco, minhas queixas
me pareciam perfeitamente justificadas.
Passaram-se os dias e meu pai voltou a
falar comigo.
- Você já
pode começar a reexaminar os seus papéis. Depois venha falar comigo.
Comecei. Mas, estranhamente, constatei
que minhas queixas eram banais e que, na realidade, não havia naquilo nada que
pudesse motivar aborrecimento.
Abreviei o espaço dos dias e, depois,
passei a examinar os papéis horas depois dos acontecimentos. Verifiquei que não
tinha nenhuma injustiça a exigir a reclamação de papai. E parei de chorar
várias vezes ao dia, como estava acostumado a fazer.
Hoje compreendo que tudo foi uma
brincadeira de papai. Todavia, com grande habilidade ele me levou a refletir
antes de agir. E desenvolveu em mim a compreensão a respeito do que é justiça e
injustiça em face do nosso egocentrismo, exigência de privilégios e pretensões
descabidas.
Com isso meu espírito de tolerância
ganhou uma amplitude que me tem beneficiado ao longo de toda a vida.
Da obra
"E, Para o Resto da Vida...", Wallace Leal V. Rodrigues, ed. O
Clarim.
[Imagem Google]
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