"Percebi que a Bíblia Sagrada é um livro construído em torno de um
jardim. Deus se cansou da imensidão dos céus e sonhou... Sonhou com um...
jardim. Se ele – ou ela – estivesse feliz lá no céu, ele ou ela não teria se
dado ao trabalho de plantar um jardim. A gente só cria quando aquilo que se tem
não corresponde ao sonho. Todo ato de criação tem por objetivo realizar um
sonho. E quando o sonho se realiza, vem a experiência de alegria. Nos textos de
Gênesis está dito que, ao término do seu trabalho,
Deus viu que tudo “era muito bom.” O mais alto sonho de Deus é um jardim. Essa
é a razão porque no Paraíso não havia templos e altares. Para quê? “Deus andava
pelo meio do jardim...” Gostaria de saber quem foi a pessoa que teve a ideia de
que Deus mora dentro de quatro paredes! Uma coisa eu garanto: não foi ideia
dele. Seria bonito se as religiões, ao invés de gastar dinheiro construindo
templos e catedrais, usassem esse mesmo dinheiro para fazer jardins onde,
evidentemente, crianças, adultos e velhos poderiam balançar e tocar os pés nas
folhas das árvores. Ninguém jamais viu a Deus. Um jardim é o seu rosto
sorridente... E se vocês lerem as visões dos profetas, verão que o Messias é
jardineiro: vai plantar de novo o Paraíso: nascerão regatos nos desertos, nos
lugares ermos crescerão a murta (perfumada!), as oliveiras, as videiras, as
figueiras, os pés de romã, as palmeiras... E lá, à sombra das árvores,
acontecerá o amor... Leia o livro dos “Cânticos dos Cânticos“!
Pensei, então, que o ato de plantar uma
árvore é um anúncio de esperança. Especialmente se for uma árvore de
crescimento lento. E isso porque, sendo lento o seu crescimento, eu a plantarei
sabendo que nem vou comer dos seus frutos e nem vou me assentar à sua
sombra.... Eu a plantarei pensando naqueles que comerão dos seus frutos e se
assentarão à sua sombra. E isso bastará para me trazer felicidade!"
(Rubem
Alves)
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