Homilia na Sexta-Feira Santa
2013
Escrito por Pe. Amaro Gonçalo. Publicado em Homilia da Semana
ANUNCIAMOS,
SENHOR, A VOSSA MORTE!
“Anunciamos, Senhor, a
vossa morte”, assim respondemos e correspondemos, num primeiro momento, à
aclamação eucarística, do «Mistério da fé»! E, agora, diante do mesmo e
único sacrifício de Cristo, na Cruz, somos também desafiados a abraçar, na fé,
o grande mistério da Sua entrega ao Pai, por todos nós!
1. Nesta Hora,
põem-se-nos, de fato, algumas perguntas incontornáveis, que tocam os
fundamentos da nossa fé: “Que é feito da condição de Jesus, como Filho de
Deus? Que é feito do fato de Ele ter posto toda a sua confiança no Pai? Deus
pode abandonar o seu Eleito, até este «ponto de não retorno»? Acabou realmente
tudo? Pode acabar assim”? Professar, na fé, que Jesus «foi crucificado,
morto e sepultado» significa aceitar o desafio escondido em tais e tantas
perguntas, sobre o sofrimento do inocente e a morte do justo. O «silêncio de
Deus», na cruz, abre, pois, muitas brechas de inquietação, de perturbação e
de provação, na nossa fé… Ora, é, precisamente, na grande provação que se vê o
verdadeiro crente; é na provação que a fé mostra a sua genuinidade, e revela
toda a sua solidez inabalável. A fé verdadeira, aquela que se radica na força
de Deus, vê-se, mais dia, menos dia, afrontada e confrontada com o mistério da
cruz! Para alguns, a Cruz será «loucura» e «escândalo», pedra de tropeço, no
caminho para Deus; porém, a mesma Cruz pode revelar-se como «poder e
sabedoria de Deus» (Cf. 1 Cor 1, 17-25), para quantos a acolhem, na fé. Não
estranhamos, portanto, que no caminho da Cruz, se escute o grito mundano, dos
que dizem: “se és o filho de Deus, desce da cruz; salva-te a ti mesmo e a
nós também”(Lc.23,37-38)! Mas ao mesmo tempo, e por fim, ao ver Jesus
morrer daquela maneira, há um centurião que exclama, numa belíssima profissão
de fé: “Verdadeiramente este Homem era o Filho de Deus” (Mc.15,39).
2. Neste Ano da
fé, talvez valha a pena confrontar estas vozes, que se disputam dentro de nós,
e à nossa volta, e que nos dividem. Nada como o aparente silêncio de Deus,
perante o sofrimento e o mal, para pôr radicalmente à prova e em crise salutar
a nossa fé. Jesus, de fato, perante a vastidão do mal, e do sofrimento que o
esmaga, a ele e a nós, não faz nada de extraordinário! Aceita-o e suporta-o,
sem protesto. Por isso, a Cruz escandalizava e provocava, os que só queriam
crer, se Jesus se prestasse a uma qualquer demonstração de força, se procedesse
a uma exibição hábil, para assim os vencer e convencer, ou, para, desse modo,
os mover e demover! Era isto mesmo, que pretendiam os judeus: acreditar em
Jesus, não por um ato livre de confiança, mas pela força dos fatos
extraordinários.
3. Mas Jesus
sabe bem que milagres assim não libertam as pessoas; antes se apoderam delas. E
Deus, de fato, não se apodera de ninguém. Deus propõe-se-nos. Deus quer ser
amado, numa resposta livre, que nunca podemos dar, sem confiar, sem nos
entregarmos a Ele, no salto escuro da fé. «A fé é precisamente a resposta ao
dom do amor, com que Deus vem ao nosso encontro» (Bento XVI, DCE 1). «Para
ser humana, a resposta da fé, dada pelo homem a Deus, deve ser voluntária»
(CIC, n. 160) e não vencida, ou convencida, pela força de qualquer gesto divino
mirabolante! Deus não nos invade; bate sempre à porta da nossa fé. Deus não se
impõe, pela força de qualquer evidência. Deus não nos conquista, pela exibição
de qualquer passe de magia, como se não tivéssemos hipóteses de não acreditar.
Se assim fosse, nem sequer seríamos livres, para acreditar! Se assim fosse, nós
teríamos simplesmente de nos render a Ele, seríamos vencidos e esmagados pela
sua grandeza, sem argumentos, contra tais fatos. Mas não. Deus não se impõe.
Deus propõe-se-nos.
4. Em pleno Ano
da Fé, também nós gostaríamos, de não ter por que perguntar ao Senhor: «Porque
me deixaste cair nesta cama? Por que não fizeste nada, para que não chegasse a
esta ruína? Por que não evitaste esta doença ou esta separação? Por que não
impediste este crime? Por que não intervéns duramente, contra tanta injustiça
neste mundo? Por que não pões tudo em pratos limpos? Por que não calas os
ateus, com coisas extraordinárias, que os vençam, e convençam? Por que não fazes
nada, perante a tragédia natural e a desgraça deste mundo? Por que Te calas»?!
Muitas vezes, também nós, preferíamos assim milagres e visões, à Cruz do
Senhor; também nós desejaríamos sinais que não deixassem dúvidas, que nos
livrassem da lida e da fadiga, que é isto de acreditar livremente.
5. Mas Deus,
pelo contrário, vence com a força da sua impotência, conquista-nos com o poder
inerme do Seu amor, revela-se numa cruz. Aliás, agora pergunto eu: podia
Deus justificar-se de outro modo, perante a história do Homem, tão carregada de
sofrimento?! De que nos serviria um Deus que não padecesse nem se compadecesse
com o nosso sofrimento? Quem nos poderia então entender? Em quem poderiam
esperar os torturados de tantas prisões secretas? Onde poderiam pôr a sua esperança
tantas mulheres humilhadas e violentadas sem defesa alguma? A quem se
agarrariam os doentes crônicos e os moribundos? Quem poderia oferecer consolo
às vítimas de tantas guerras, terrorismos, fomes, desamores, desempregos e
misérias? Só no Crucificado, nós podemos encontrar um Deus, que está por
dentro do nosso sofrimento, e caminha a nosso lado! Rezemos-lhe, pois, de
coração humilde, professando a nossa fé:
“[Senhor], caminhamos sob o
peso da Cruz, nas pegadas dos teus passos! Mas Tu ressuscitas na manhã da Santa
Páscoa! És para nós o Vivente que não morre! Com os humildes que querem
renascer, Senhor, nós Te pedimos: Aumenta, aumenta a nossa fé. Credo, Domine!
Aumenta a nossa fé” (4ª estrofe do Hino para o Ano da Fé)!
[Imagem Google]
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