Grande
mosca verde-azul, mostrando envaidecida as asas douradas pelo Sol, penetrou uma
sala e encontrou uma abelha humilde a carregar pequena provisão de recursos
para elaborar o mel.
A
mosca arrogante aproximou-se e falou, vaidosa:
-
Onde surges, todos fogem. Não te sentes indesejável? Teu aguilhão é terrível.
-
Sim – disse a abelha com desapontamento –, creia que sofro muitíssimo quando
sou obrigada a interferir. Minha defesa é, quase sempre, também a minha morte.
-
Mas não podes viver com mais distinção e delicadeza? – tornou a mosca – por que
ferretoar, a torto e a direito?
-
Não minha amiga – esclareceu a interlocutora –, não é bem assim. Não sinto
prazer em perturbar. Vivo tão-somente para o trabalho que Deus me confiou, que
representa benefício geral. E, quando alguém me impede a execução do dever,
inquieto-me e sofro, perdendo, por vezes, a própria vida.
-
Creio, porém, que se tivesses modos diferentes... se polisses as asas para que
brilhassem à claridade solar, se te vestisses em cores iguais às minhas, talvez
não precisasses alarmar a ninguém. Pessoa alguma te recearia a intromissão.
-
Ah! Não posso despender muito tempo em tal assunto – alegou a abelha
criteriosa. – O serviço não me permite a apresentação exterior muito primorosa,
em todas as ocasiões. A produção de mel indispensável ao sustento da nossa colmeia,
e necessária a muita gente, não me oferece ensejo a excessivos cuidados comigo
mesma.
-
Repara! – disse-lhe a mosca, desdenhosa – tuas patas estão em lastimável
estado...
-
Encontro-me em serviço – explicou-se a operária humildemente.
-
Não! não! – protestou a outra – isto é monturo e relaxamento.
E
limpando caprichosamente as asas, a mosca recuou e aquietou-se, qual se
estivesse em observação.
Nesse
instante, duas senhoras e uma criança penetraram o recinto e, notando a
presença da abelha que buscava sair ao encontro de companheiras distantes, uma
das matronas gritou, nervosa:
-
Cuidado! cuidado com a abelha! Fere sem piedade!...
A
pequenina trabalhadora alada dirigiu-se para o campo e a mosca soberba a
exibir-se, voando despreocupada.
-
Que maravilha! – exclamou uma das senhoras.
-
Parece uma joia! – disse a outra.
A
mosca preguiçosa planou... planou... e, encaminhando-se para a copa, penetrou o
guarda-comida, deitando varejeiras na massa dos pastéis e em pratos diversos
que se preparavam para o dia seguinte. Acompanhou a criança, de maneira
imperceptível, e pousou-lhe na cabeça, infeccionando certa região que se achava
ligeiramente ferida.
Decorridas
algumas horas, sobravam preocupações para toda a família. A encantadora mosca
verde-azul deixara imundície e enfermidade por onde passara.
Quantas vezes sucede isto mesmo, em plena vida?
Há criaturas simples, operosas e leais, de trato
menos agradável, à primeira vista, que, à maneira da abelha, sofrem sarcasmos e
desapontamentos por bem cumprir a obrigação que lhes cabe, em favor de todas; e
há muita gente de apresentação brilhante, quanto a mosca, e que, depois de
seduzir-nos a atenção pela beleza da forma, nos deixa apenas larvas da calúnia,
da intriga, da maldade, da revolta e do desespero no pensamento.
(Francisco C. Xavier)
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