Pai-Nosso, uma oração do Senhor
Quem,
portanto, quer rezar procurando a santificação pessoal que a própria intimidade
com Deus provoca através da oração, precisa ter atenção às palavras e aos seus
sentidos. Santa Teresa, ao se referir ao Pai-Nosso, ensina-nos a, em primeiro
lugar, considerar que Pai é esse e quem é esse Filho que se coloca ao nosso
lado para rezar (Caminho de Perfeição, 24,1). Depois, percorre-a ponto por
ponto, a partir do capítulo 27 do seu livro Caminho de Perfeição (CP):
“Pai nosso
que estais nos céus”: o filho não só se coloca a nosso lado para rezar
ao Pai, mas nos dá sua própria filiação! Somos um com Ele e, portanto, temos um
mesmo Pai. Esse Pai não está em qualquer lugar, mas “nos céus”. Devemos nos
elevar a Ele, saindo destas preocupações terrenas. Também devemos entender que
onde se encontra Deus, ali está o céu e, por isso, Deus está “nos céus”, ou
seja, onde existe uma alma em estado de graça, Deus ali está presente. Deve a
alma, então, falar com humildade perante tão grande Pai, mas com extrema
alegria por estar tão próximo e se fazer tão acessível.
“Santificado
seja o vosso nome, venha a nós o vosso reino”: é um
pedido para que a glória de Deus, presente na eternidade, também irradie sobre
nós, trazendo santidade e vida. Afinal, aqueles que O amam, não conseguem se
ocupar de outra coisa senão amá-Lo completamente, santificando-se e
santificando o Seu nome. Sendo atraídos e atraindo-O para que traga a santidade
de seu reino espiritual também ao mundo terreno ou material em que vivemos. Com
o reconhecimento da santidade de Deus e que Ele pode dar-nos o seu reino de
Amor, é possível dizer:
“Seja feita
a vossa vontade assim na terra como no céu”: Santa
Teresa explica que “feita da terra um céu, será possível fazer-se em mim a
vossa vontade. Mas sem isto, e em terra tão ruim como a minha, e tão sem fruto,
eu não sei, Senhor, como seria possível” (CP, 32,2). Ela também reflete que a
vontade do Senhor não se faz logo em nossa vida, pois antes precisamos criar o
Seu reino em nós, para que a nossa “terra” se transforme num céu onde Deus
possa ser glorificado executando sua vontade sem impedimentos. Não deixa de
alertar também que, quer queiramos ou não, a vontade de Deus irá se cumprir tanto
no céu quanto na terra, isso é inevitável. Que possamos, então, transformar o
que não se pode evitar em desejo nosso e ganharmos assim méritos para a vida
eterna.
“O pão nosso de cada dia nos dai hoje”: ela reflete sobre a duplicidade das palavras “nosso”
e “nos dai” pois, afinal, se já é nosso, por que pedimos que seja nos dado?
Para Santa Teresa, esse “pão” celeste se tornou nosso com o sacrifício de Jesus
Cristo em sua paixão e morte na cruz. Mas, precisamos diariamente pedi-lo
para tomar posse dessa graça e permanecer nela até que chegue o fim de nossos
dias ou, segundo ela mesma: “O dizer ‘hoje’, parece-me que é para um dia, que é
enquanto durar o mundo, não mais” (CP 34,2). Bem como em,
“Perdoai-nos as nossas ofensas assim como perdoamos a
quem nos tem ofendido”: ela ressalta que não se
trata de uma promessa futura, “perdoaremos”, mas que, quem já colocou sua
vontade em Deus e pediu para que seja cumprida no céu e na terra (ao menos se
determinando a isso) precisa ser capaz de perdoar. Afinal, Jesus poderia ter
colocado qualquer condição para que recebêssemos o perdão de Deus: “perdoai-nos
Senhor, porque fazemos muita penitência, ou porque rezamos muito e jejuamos, e
temos deixado tudo por Vós, e vos amamos muito (…) [mas] disse somente: porque
perdoamos” (CP 36,7). É, portanto, consciente e determinada esta condição para
o perdão que o Senhor nos coloca: seremos perdoados, desde que antes
tenhamos dado também o perdão. Claro que, embora dar nossa vontade a Deus e
perdoar nossos semelhantes seja obrigação de todos nós, a doutora da Igreja
lembra suas irmãs do Carmelo e a nós também que existe maior e menor capacidade
de realizar essas duas coisas. Os adiantados na vida espiritual ou perfeitos,
darão a vontade e perdoarão com perfeição, nós faremos o que pudermos e
procuraremos sempre melhorar nestas duas determinações: entregando sempre mais
e mais nossa vontade a Deus; perdoando cada vez mais prontamente e com melhor
disposição os erros que nossos irmãos cometem contra nós (CP 37,3). Por fim,
pedimos:
“E não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos
do mal”! Santa Teresa de Jesus alerta para que
prestemos atenção neste pedido: não se pede que o Senhor nos livre dos muitos
trabalhos, nem mesmo das tentações, das perseguições ou da luta, seja ela espiritual
ou com as forças deste mundo. “Os soldados de Cristo, que são os que têm
contemplação e tratam de oração, não veem a hora de lutar; nunca temem muitos
inimigos públicos (…) nunca lhes viram o rosto. Os que temem, e é correto que
se temam e sempre peçam ao Senhor que os livre deles, são uns inimigos
traidores, demônios que se transfiguram em anjos de luz” (CP 38,2). Por isso, a
súplica é que não sejamos enganados, que sempre possamos ver onde está a luz e
a verdade, não caindo nas tentações. Uma das mais graves, segundo a santa, é
quando acreditamos que temos virtudes que na realidade não temos,
principalmente a humildade: “Mas torno a vos avisar que, ainda que vos pareça
que a tendes [a virtude da humildade], temei que vos enganais. Porque o verdadeiro
humilde sempre anda duvidoso em virtudes próprias, e muito ordinariamente lhe
parecem mais certas e de mais valor as que vê em seu próximo” (CP 38,9).
Fonte: https://formacao.cancaonova.com/espiritualidade/vida-de-oracao/santa-teresa-e-a-oracao-do-pai-nosso/
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