Por Lélio Costa e Silva
As
vozes da natureza mandam dizer que não sou eu o símbolo do azar.
Quero continuar a remexer a cabeça nua nas carnes putrefatas,
executando a minha tarefa biológica, mas anseio também ser entendido como uma
ave super-higiênica, integrante das cadeias alimentares.
Quero continuar a pôr meus ovos nos buracos e pedras dos morros,
mas não desejo ver meus filhotes apedrejados e mal vistos pela espécie humana.
Quero abrir as asas ao sol e voar em espiral com os meus
companheiros e mostrar que a minha plumagem pode ter o mesmo esplendor das
outras aves irmãs.
Quero dispensar do meu desjejum as carcaças contaminadas pelos
venenos acumulados, espalhados pelo ser humano - verdadeiras bombas de efeito
retardado, que destroem a mim e a toda vida do planeta.
Quero desconsiderar a vergonha e o constrangimento das pessoas
com a minha presença em frente às suas casas - “todo urubu tem que ir onde o
lixo está”.
Quero entender essa ecologia urbana, onde o lixo se acumula cada
vez mais em lotes, ruas, praças e margens de rios aumentando excessivamente o
meu trabalho.
Finalmente, agradeço os adjetivos concedidos à minha espécie:
lixeiro da natureza, sarcófago alado, inspetor do lixo, necrófago...
E, em nome de uma possível linguagem universal, deixo aqui o meu
último pedido:
- pelo trabalho dobrado e pelo risco de vida, quero também
receber as minhas horas-extras e o meu adicional de insalubridade.
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