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sexta-feira, 18 de julho de 2014

O URUBU EM SEU PRÓPRIO DIREITO



Por Lélio Costa e Silva

As vozes da natureza mandam dizer que não sou eu o símbolo do azar.
Quero continuar a remexer a cabeça nua nas carnes putrefatas, executando a minha tarefa biológica, mas anseio também ser entendido como uma ave super-higiênica, integrante das cadeias alimentares.
Quero continuar a pôr meus ovos nos buracos e pedras dos morros, mas não desejo ver meus filhotes apedrejados e mal vistos pela espécie humana.
Quero abrir as asas ao sol e voar em espiral com os meus companheiros e mostrar que a minha plumagem pode ter o mesmo esplendor das outras aves irmãs.
Quero dispensar do meu desjejum as carcaças contaminadas pelos venenos acumulados, espalhados pelo ser humano - verdadeiras bombas de efeito retardado, que destroem a mim e a toda vida do planeta.
Quero desconsiderar a vergonha e o constrangimento das pessoas com a minha presença em frente às suas casas - “todo urubu tem que ir onde o lixo está”.
Quero entender essa ecologia urbana, onde o lixo se acumula cada vez mais em lotes, ruas, praças e margens de rios aumentando excessivamente o meu trabalho.
Finalmente, agradeço os adjetivos concedidos à minha espécie: lixeiro da natureza, sarcófago alado, inspetor do lixo, necrófago...
E, em nome de uma possível linguagem universal, deixo aqui o meu último pedido:

- pelo trabalho dobrado e pelo risco de vida, quero também receber as minhas horas-extras e o meu adicional de insalubridade.

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