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sexta-feira, 4 de abril de 2014

Poema da Quaresma


Por Frei Betto

Entro nessa Quaresma sem fantasia, disposto às abstinências que resgatam, no mais íntimo de mim mesmo, a minha verdadeira identidade.
Calarei a língua ferina e não macularei a fama alheia exposta em público no varal de minhas cordas vocais.
Não darei ouvidos a inconfidências, nem ao ruído ensurdecedor das palavras vãs de quem só escuta a própria voz.
Fecharei o olhos para ver melhor e abrirei as janelas à revoada dos anjos.
Contemplarei as montanhas ocas de minha terra e derramarei uma lágrima por seus úteros arrancados e sonegados ao meu povo.
Nesta Quaresma, riscarei de meu dicionário o vocábulo competitividade e com aquarelas de utopias gravarei no coração solidariedade.
Irei ao encontro de quem ainda luta por direitos animais: comer, beber, educar a cria e abrigar-se das intempéries. Só assim costurarei minha humanidade esgarçada.
Jejuarei da ânsia consumista e ofertarei meu supérfluo tão necessário ao próximo. Abrirei a janela do carro e afagarei as crianças de rua, filhos de minha imobilidade frente a tantas injustiças.
Pagarei, com juros, a minha dívida social. Farei de Jesus parceiro de aventuras e deixarei que o seu Espírito engravide o meu.
Buscarei o silêncio orante e meditarei para inebriar-me da espiritualidade do conflito.
Adotarei o Sermão da Montanha como estatuto pessoal e assim acertarei meus passos nas trilhas da vida.
Arrancarei toda erva daninha - ciúme, inveja, ira - do canteiro de meus amores e cultivarei copas frondosas de quaresmeiras coloridas de ternura.
Serei perdulário com o bom humor e espalharei alegria como o ar que nos é dado a respirar.
Nesta quaresma, participarei da Campanha da Fraternidade na defesa da vida e contra o Tráfico de Seres Humanos.
Desfraldarei a bandeira de minha indignidade e revelarei esperanças que, olhos no futuro, me fazem acreditar num belo horizonte.
Peregrino, solitário e solidário, irei às fontes do Transcendente. Ao encontrar meu próprio poço, mergulharei como um menino em suas águas profundas, até que o Pai de Amor me acolha em seus braços, dando-me de beber o vinho pascal do homem novo e da mulher nova.

(Mt 5, 1- 12)

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