Humberto Rohden
Toda pessoa não suficientemente realizada em si
mesma tem a instintiva tendência de falar mal dos outros.
Qual a razão última dessa mania de maledicência?
É um complexo de inferioridade unido a um desejo de
superioridade.
Diminuir o valor dos outros dá-nos a grata ilusão
de aumentar o nosso valor próprio.
A imensa maioria dos homens não está em condições de
medir o seu valor por si mesma. Necessita medir o seu próprio valor pelo
desvalor dos outros.
Esses homens julgam necessário apagar as luzes alheias
a fim de fazerem brilhar mais intensamente a sua própria luz.
São como vaga-lumes que não podem luzir senão por
entre as trevas da noite, porque a luz das suas lanternas fosfóreas é muito
fraca.
Quem tem bastante luz própria não necessita apagar ou
diminuir as luzes dos outros para poder brilhar.
Quem tem valor real em si mesmo não necessita medir
o seu valor pelo desvalor dos outros.
Quem tem vigorosa saúde espiritual não necessita chamar
de doentes os outros para gozar a consciência da saúde própria.
As nossas reuniões sociais, os nossos bate-papos
são, em geral, academias de maledicência.
Falar mal das misérias alheias é um prazer tão
sutil e sedutor - algo parecido com whisky, gin ou cocaína - que uma pessoa de
saúde moral precária facilmente sucumbe a essa epidemia.
A palavra é instrumento valioso para o intercâmbio
entre os homens. Ela, porém, nem sempre tem sido utilizada devidamente.
Poucos são os homens que se valem desse precioso
recurso para construir esperanças, balsamizar dores e traçar rotas seguras.
Fala-se muito por falar, para "matar
tempo". A palavra, não poucas vezes, converte-se em estilete da impiedade,
em lâmina da maledicência e em bisturi da revolta.
Semelhantes a gotas de luz, as boas palavras dirigem
conflitos e resolvem dificuldades.
Falando, espíritos missionários reformularam os
alicerces do pensamento humano.
Falando, não há muito, Hitler hipnotizou multidões,
enceguecidas, que se atiraram sobre outras nações, transformando-as em ruínas.
Guerras e planos de paz sofrem a poderosa influência
da palavra.
Há quem pronuncie palavras doces, com lábios
encharcados pelo fel.
Há aqueles que falam meigamente, cheios de ira e
ódio. São enfermos em demorado processo de reajuste.
Portanto, cabe às pessoas lúcidas e de bom senso, não
dar ensejo para que o veneno da maledicência se alastre, infelicitando e
destruindo vidas.
Pense nisso!
Desculpemos a fragilidade alheia, lembrando-nos das
nossas próprias fraquezas.
Evitemos a censura.
A maledicência começa na palavra do reproche
inoportuno.
Se desejamos educar, reparar erros, não os
abordemos estando o responsável ausente.
Toda a palavra torpe, como qualquer censura
contumaz, faz-se hábito negativo que culmina por envilecer o caráter de quem
com isso se compraz.
Enriqueçamos o coração de amor e banhemos a mente
com as luzes da misericórdia divina.
Porque, de acordo com o Evangelho de Lucas, "a
boca fala do que está cheio o coração".
(Do livro "A Essência da Amizade")
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