“Vai
lavar-te na piscina de Siloé. O
cego foi, lavou-se e voltou enxergando” (Jo 9,7)
[...]
Em
primeiro lugar, Jesus é Aquele que vê. Na cena do “cego de nascença”,
onde os discípulos viam um pecador, Jesus via um ser humano. Seu olhar
não se detinha na máscara, mas contemplava um rosto.
O “cego
de nascença” encontra em Jesus um olhar encorajador, compreensivo, que
acredita nele e lhe inspira confiança; um olhar que não se prende ao passado,
mas abre uma nova possibilidade de vida. Um olhar que ativa nele a capacidade
de olhar a própria vida de maneira diferente.
Por isso,
Jesus aparece também como Aquele que faz ver. É o mestre que vai curando
a cegueira e trazendo luz, para que a pessoa, descobrindo sua identidade, possa
dizer como o cego curado: “sou eu”.
Neste
tempo quaresmal, sentimos a urgência de uma conversão do nosso olhar; é preciso
purificar o olhar, cristificá-lo. Olhar com os “olhos cristificados”.
Não se trata de qualquer olhar. É o olhar limpo, diáfano, gratuito e
desinteressado, que destrava e expande a vida do outro numa nova direção.
Contemplar
o rosto do outro é sentir sua presença, sem pré-conceitos e pré-juízos...,
vendo nele o sinal da ternura de Deus. Passar da contemplação à
acolhida: este é o movimento da oração dos olhos.
O “olhar
contemplativo” está perdendo sua força criativa no contexto atual; marcado pela
ansiedade de querer “ver” tudo ao mesmo tempo, o ser humano já não é mais capaz
de fazer uma “pausa” para se deixar “ver” pela realidade. Sob o peso do olhar
do racionalismo, ele tudo examina, compara, esquadrinha, mede, analisa,
separa... mas nunca “exprime”. Daí o olhar reprimido, desviado, insensível,
frio, duro, ríspido...
Este é o
pecado contra o olhar: olhar supérfluo e imediatista, olhar esquizofrênico e
narcisista, olhar morno, sem vibração, sem brilho, sem assombro... Nesse olhar
não há lugar para a admiração, nem para a acolhida e a presença do outro. Só
existe o olhar que “fixa”, escraviza e aliena.
A arte de
viver consiste, fundamentalmente, em chegar a ver tudo com o coração. Só o
coração descobre em tudo as pegadas da Presença Última, que olha a partir do
rosto de cada pessoa, a partir da beleza de cada criatura. O amor nos abraça em
tudo quanto vemos.
Adroaldo Palaoro, sacerdote jesuíta.
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