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terça-feira, 30 de junho de 2009

Quando o sofrimento bater à sua Porta


“A vida que não é examinada não vale a pena ser vivida”
(Sócrates)

“A felicidade da vida depende da qualidade de nossos pensamentos”
(Imperador Marco Aurélio)

Um dos grandes problemas que o sofrimento acarreta é justamente a nossa falta de capacidade de lidar com ele. O primeiro desafio que temos diante de uma dor que acabou de chegar é continuarmos no comando da vida...
Diante dos problemas da vida e dos sofrimentos originados deles, temos duas possibilidades: ou os administramos ou seremos administrados por eles...
No mundo dos negócios, os bons administradores são geralmente pessoas reflexivas. Uma boa administração só pode ser realizada à medida que a realidade administrada passa constantemente por processos de análises. É por meio da análise de uma situação que poderemos encontrar o melhor caminho a seguir...
Por vezes os medos são capazes de nos roubar a reflexão. Analisar é purificar. É retirar os excessos.
Muitos de nossos sofrimentos nascem de nossas confusões mentais. A análise tem o poder de reordenar as idéias. É como se acendêssemos luzes em um quarto escuro. Ninguém consegue se localizar em um ambiente sem luz. Por isso as saídas de emergências dos aviões são sempre sinalizadas com caminhos de luz. A saída de emergência é o destino final da luz. A calma é essencial para que sejamos capazes de encontrar o caminho.
Muitos sofrimentos nascem das nossas confusões mentais, por isso é tão importante desenvolvermos o hábito de refletir sobre a vida e sobre os problemas que enfrentamos.
No momento da nossa fragilidade, a reação mais comum é o desespero. Mas o desespero não nos ajuda em nada. Pessoas desesperadas são pessoas em profundo estado de confusão mental.
O desespero é uma resposta espontânea do ser humano quando diante de um limite. Mas ele não precisa ser definitivo. Pode ser apenas um primeiro momento do sofrimento. Estender no tempo o estágio do desespero é adiar a solução dos problemas. Pessoas desesperadas não costumam lidar bem com os problemas que enfrentam. A razão é simples. O desespero é o oposto da análise.
A análise requer calma, paciência e lucidez. Tais atitudes geralmente não são encontradas em pessoas tomadas pelo desespero.
Administrar os sofrimentos no momento do desespero é tarefa árdua. É nesta hora que precisamos de alguém que nos ajude a contornar a força do pensamento opressivo. Desesperos nascem e são nutridos a partir de fatos e idéias que nos oprimem. Fatos não podem ser modificados, mas as conseqüências deles em nós sim.
Quando estamos desesperados, necessitamos fazer a triagem das causas; se não temos mais como alterar o fato, teremos então que investir nas consequências. É neste momento que devemos fazer a pergunta fundamental a partir de várias perspectivas:
· Por que estou desesperado?
· Qual é a raiz que me faz sofrer?
· É possível alterar a realidade que me envolve?
· Por que estou sofrendo?
A formulação das perguntas favorecerá o processo de análise. Perguntar o porquê de sofrer é tão importante quanto sorver o ar para se manter vivo. É a partir desta pergunta que descobriremos se temos ou não razões para o sofrimento. Digo isso porque não é raro encontrar pessoas em profundo estado de sofrimento sem razão. Sofrimento sem razão é sofrimento infértil; que poderiam ser evitados, caso a pessoa dispusesse a fazer uso de sua reflexão.
Assim, racionalizado o medo, naturalmente ele perde o poder sobre mim. Mais uma vez a regra da substituição, uma idéia ruim por uma boa. Quantos desesperos seriam evitados se usássemos esta regra. Quanta idéia opressora deixaria de ser determinante sobre nós caso aplicássemos este princípio de sabedoria.
Nesta perspectiva, a filosofia exerce o mesmo poder que a medicina. A reflexão reconfigura a experiência e proporciona a cura da mente pelo pensamento.
Um sofrimento só valerá a pena se ele for verdadeiro. Sofrer por mentiras é um absurdo; já chega o que temos que enfrentar na vida.
Quando identificamos um sofrimento verdadeiro, precisamos nos render a ele. Não se trata de assumir passivamente, sorvendo-o em estado de vítima. Render-se ao sofrimento é reverenciar sua sacralidade, reconhecendo nele todo o crescimento que se desprenderá dele. É como adentrar em um território sagrado, sabendo que pisar aquele lugar é oportunidade única que merece ser vivida e experimentada com seriedade.
O sofrimento é verdadeiro quando ele é costurado na crueza da vida, isto é, não é fruto de projeções imaginárias nem tampouco resultado de medos infundados. Reconhecer o sofrimento verdadeiro, aquele capaz de nos fazer crescer, é reconhecer diamantes em meio aos cascalhos. Requer arte de garimpo.
O tempo todo fazemos a experiência dos limites que nos fazem sofrer, mas nem sempre conseguimos distinguir o sofrimento cascalho, do sofrimento diamante. Cascalhos nem sempre nos amadurecem, mas os diamantes sim. Identificar o sofrimento diamante requer sabedoria e calma. O grande problema é quando invertemos valores.
Assim como a pedra preciosa necessita de lapidação também o sofrimento carece ser trabalhado; a este trabalho podemos chamar de sentido. Sentido é o alicerce de uma realidade. As ações humanas estão sempre cheias de sentido. O sentido é a coerência da realidade. Tudo o que realizamos, por menor que seja, sempre está amparado por um sentido oculto. Descobrir o sentido das coisas é um jeito interessante de investigar a vida, deixar a superfície e atingir o lugar menos comum, mais profundo.
No contraponto do sentido está o absurdo. Realidades absurdas são aquelas que, aos nossos olhos, parecem incoerentes.
A vida humana é cheia de absurdos, mas também de sentidos. Absurdos e sentidos andam lado a lado porque são realidades complementares. O absurdo é o impulso que nos faz querer o sentido.
Sempre que estamos diante de um fato que não tem sentido, isto é um absurdo, somos desafiados a descobrir o caminho para a construção do sentido. É a partir desta reconstrução que nos recuperamos. Só assim podemos sarar as conseqüências que o sofrimento provoca em nós. A construção do sentido favorece a continuidade da vida.
É muito significativo aproximar o sofrimento humano de significado eucarístico. A teologia nos ensina que o altar é o lugar privilegiado do encontro de Deus com a humanidade. No altar tudo que é humano se diviniza.
Divinizar é recolher e reconhecer a sacralidade. É retirar o profano, isto é, retirar o que está fora do templo e colocar sobre o local sagrado.
Cada vez que somos capazes de colocar o nosso sofrimento diante da mística do altar, de alguma forma estamos aprendendo a superá-lo da melhor forma.
Sacralizar o sofrimento é reconhecê-lo como oportunidade de transformação. O que sofremos passa a nos transformar, pois nos coloca no altar da vida, para que Deus nos recolha como oferenda agradável aos seus olhos...
Dessa forma, o sofrimento nunca será em vão, porque sempre haverá nele uma ocasião de transformação. É só descobrir.
É claro que se pudéssemos escolher , escolheríamos não sofrer. Mas não há como mudar essa regra – o sofrimento humano é natural é inevitável... O importante é não nos rendermos ao seu possível espírito destruidor. Para isso, é preciso manter viva a chama da esperança. Sofrer sim, mas sofrer apenas por causas que mereçam o nosso sofrimento. Sofrer, mas buscar o sentido oculto que está por detrás das profusas ramagens dos absurdos.
Sofrer, mas nunca esquecer que depois da tempestade há sempre o sol preparado pronto para brilhar e nos dourar com sua luz envolvente.
Porque tão importante quanto não fechar a porta para os sofrimentos é não impedir, depois , a entrada das alegrias...

“E é nisto que se resume o sofrimento:
Cai a flor e deixa o perfume no vento”
Cecília Meireles

MELO, de Fabio.QUANDO O SOFRIMENTO BATER À SUA PORTA.- 24.ed. São Paulo, SP: Editora canção Nova,2008 .201 a 237 p.

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